ANITA G.




Que estranhas as malhas da renda das vidas das mulheres. Intrincados meandros que se entrelaçam. Uma vez estive na casa de Anita Garibaldi em Laguna (SC), muitos anos depois minha filha esteve em seu túmulo na Itália.(foto).O túmulo onde Anita foi sepultada pela sétima vez. Morreu provavelmente vitima da malária, embora a tuberculose, lesão pulmonar, congestão intestinal e tifo das montanhas foram outras causas mortis atribuídas.
Garibaldi em suas memórias escreveu: "Ao depor minha mulher no leito, me pareceu descobrir em seu rosto a expressão da morte. Tomei-lhe o pulso... já não batia. Eu tinha diante de mim o cadáver da mãe de meus filhos, que eu tanto amava."
Grávida de seis meses morreu na terra de seu esposo, longe de onde nascera e seu corpo teve seis sepultamentos antes do definitivo.
No dia fatal, no derradeiro instante de sua vida, os compatriotas italianos, os liberais uruguaios, os farrapos brasileiros e os republicanos do novo e do velho mundo não puderam pranteá-la, ela e Garibaldi estavam em fuga e em luta pela unificação da Itália. Ele foi obrigado a partir deixando seu corpo entregue a dois homens para que a enterrassem clandestinamente, pois corria risco de morte, eles o fizeram dantescamente por duplo medo: o de contágio e o das patrulhas noturnas. Era o dia 4 de agosto de 1849.
O cadáver foi colocado sobre um carro de duas rodas que encalhou na areia, eles completaram o percurso arrastando a morta, por meio de uma corda amarrada ao pescoço. Dias depois uma criança achou o cadáver semi encoberto. Tinha um ferimento feio no pescoço que confundiu o médico legista na necropsia, soube-se que se tratava do cadáver da esposa de Giuseppe Garibaldi, o que atraiu as autoridades militares austríacas. No dia 11 de agosto foram realizadas as exéquias, ela foi sepultada em cova simples, com uma cruz de madeira, no cemitério local atrás da igreja de Madriole, na região de Ravenna.
Dez anos depois, liderados por Francesco Manetti, alguns garibaldinos remanescentes seqüestraram os restos mortais de Anita, sepultando-a em segredo. Tinham o receio de que a sepultura fosse violada pelos adversários da unidade italiana, temiam seu desaparecimento. Descoberto o seqüestro, o padre Francesco Burzatti recuperou os restos mortais e enterrou-a no interior da Igreja, perto do altar.
Em 22 de setembro de 1859, ao voltar de seu longo exílio, Giuseppe Garibaldi, acompanhado pelos filhos Menotti, Riciotti e Teresita, foi a Mandriolle, desenterrou os restos mortais, organizou um cortejo fúnebre para o sepultamento em Nizza, junto a sua mãe. No caminho passou por diversas cidades, parando para homenagens e exaltações, nas cidades de Ravena, Bolonha, Livorno, Gênova e Nizza. Garibaldi pagou a promessa feita à memória de Anita no dia de seu falecimento e motivou as populações por onde passou a retomarem e prosseguirem a luta pela unidade italiana.
A cidade de Nizza (atual Nice) foi transferida ao domínio da França, em pagamento de empréstimo de guerra, durante o segundo período da campanha da unificação italiana. Em 1931, por solicitação do Governo de Mussolini, a França consentiu no traslado dos restos mortais para Roma. Como as obras da Praça Anita Garibaldi ainda não estavam prontas ela foi sepultada provisoriamente em Gênova.
Em 2 de junho de 1932,(exatamente 48 anos antes do nascimento de minha filha)o Governo italiano patrocinou e promoveu um gigantesco traslado, transformado o evento em um dos maiores atos cívicos da história da Jovem Itália. Seu túmulo encontra-se no monte Gianícolo,em Roma, lá descansam os restos mortais de Ana Maria de Jesus Ribeiro, Anita Garibaldi, a heroína dos dois mundos.
Aninha desde pequena via o mar como parte de sua vida, gostava de caminhar na areia fina, sentir a maresia; o oceano despertava emoções diferentes nos seus sentidos de menina e olhava para o horizonte intuitivamente, sabia que em algum momento do seu futuro daquela linha distante viria algo que transformaria seu destino raso de ribeirinha. Sabia montar, de personalidade livre, gostava de cavalgar pelo litoral catarinense. Casada a contragosto precocemente com um homem mais velho, prático, rude que não entendia direito seus sonhos etéreos numa terra em conflito, preocupado com sua sapataria e pescarias que cedo a abandonou para lutar junto às tropas imperiais. Ela tinha uma pele morena com longos cabelos negros, e olhos escuros, ágil, esbelta e indômita, despertava a inveja das mulheres e o desejo masculino, alheia aos padrões morais da época costumava banhar-se no mar, gostava de viver ao ar livre, curiosa e esperta para sua idade.
O estado ao sul estava em guerra com o Império, descontentes com o sistema político vigente. Laguna seria o porto que um homem predestinado a ser considerando herói no velho e novo continente, tomaria em 1837, durante a Guerra dos Farrapos, a serviço da República Rio-Grandense.
Na comemoração pela vitoria ela avistou, em meio aos líderes farrapos, a figura de um homem vestido com roupas diferentes. Vestia botas compridas com calças pretas, parcialmente cobertas por um poncho cinza claro Não era um homem muito alto com um cabelo longo e loiro, com olhos claros, sentiu por ele um sentimento que jamais havia tido a oportunidade de experimentar. Garibaldi tinha, então 32 anos de idade.
Garibaldi que morava no seu navio costumava direcionar sua luneta para a terra e numa dessas ocasiões Aninha entrou no seu foco de visão, logo a tomou para si como Anita - e desde então permaneceram juntos. Acompanhava-o em todos os combates, entusiasmada com os ideais democráticos e liberais dele, aprendera a lutar
com espadas e usar armas de fogo, mulher destemida se transformaria numa companheira para todos os momentos, no sul do Brasil, no Uruguai e na Itália.
Da união de Giuseppe e Anita nasceram quatro filhos: seu primogênito Menotti, o único que nasceu no Brasil – Rio Grande do Sul; e nos anos seguintes Rosita, Teresita e Riccioti, que nasceram na capital uruguaia. Rosita morreu quando tinha apenas dois anos e meio, vítima de um ataque de difteria.
Mulheres. Anitas, Marias ou Micheles.Desimporta o século.Tecem todas elas às portas de seus sonhos tramas invisíveis. Como renda de bilro. Atemporais. Tecem junto a outras mulheres da mesma rua, a trama dos destinos; minha rua passa por outras cidades, atravessa países, ignora oceanos, não há fronteiras. Tecemos todas nós o mesmo fio, matéria viva,dos nossos anseios, dos nossos segredos, das nossas desistências, da nossa sina.