FLORENCE OWENS THOMPSON



Esse rosto contraído, enrugado,faminto, triste,preocupado,distante, desesperado, que mantém seu olhar ao longe, que vislumbra um horizonte imaginário era de Florence.    Imortalizado pela lente de uma câmera aos 32 anos perscruta o vazio. Ela era uma espécie de bóia fria, sem teto, despossuída, vitima da crise econômica que devastava seu país, peregrinava pelo Estado da  Califórnia na esperança de encontrar nesse paraíso agrário um alento no ano de 1936.
 Não creio que fosse migrante como nomearam a foto, ela pegara seu destino e o colocava na estrada  coagida pela miséria,era uma flagelada, uma nômade, tão nômade como os primeiros homens desse continente, vagueava atrás da sobrevivência, sua e de sua prole.  Era descendente de índios e casou com um agricultor de origem européia, no Dia de São Valentin, ele morreu antes dessa foto e ela já tinha  sete filhos. Trabalhadores em lavouras, sem qualificação tinham a renda familiar muito baixa. A família perambulava pelo país  em busca de melhores oportunidades e teve sua situação financeira agravada pela grande depressão econômica que abalou o mundo (1929).
 Nos últimos dias sobreviviam comendo  vegetais dos campos vizinhos e dos pássaros que as crianças caçavam.
 Uma fotógrafa foi contratada pelo presidente Franklin Roosevelt para retratar as condições precárias dos trabalhadores rurais e  a vida no interior do país; pretendia justificar as medidas que ele vinha adotando para recuperar a economia estadunidense depois da quebra da Bolsa em 1929. Ela encontrou a família nesse barraco miserável e em poucos instantes tirou as fotos. Florence manteve-se alheia, parece desimportar-se com o que acontece no entorno, concentrada em escorar em seus ombros as filhas, uma vida oprimida  e a perspectiva de um futuro mísero.
 Houve um acordo silencioso mútuo entre as duas mulheres. Uma a trabalho de órgãos governamentais outra necessitando da ajuda do Estado. Um único encontro.
Uma mala velha com as poucas quinquilharias, uma cadeira de balanço, um prato vazio, um lampião compõem a cena paupérrima. A imagem dessa mãe sofredora tem uma força tão singular que atravessa as décadas.
Roosevelt conseguiu recompôr a economia  e a sociedade estadunidense  foi sensibilizada por aquelas imagens de trabalhadores pobres, de quem as fotos ressaltavam a dignidade e a humanidade.
 A foto é uma das mais famosas dos Estados Unidos até virou selo dos correios. Nomeada como  “Mãe migrante” se tornou um ícone e recursos foram levantados para a população daquela região. Em 1936 foi publicada na Survey Graphic e incluída na exposição U.S.Camera, que rodou os Estados Unidos e a Europa. Entre 1938 e 1940, cerca de 175 jornais e revistas reproduziram a fotografia. Em 1941, foi exibida no Museu de Arte Moderna. A imagem se tornou tão simbólica que foi usada em outras causas, servindo como modelo para a litografia Spanish Mother, The terror of 1938 para uma ilustração na capa de uma revista venezuelana em 1964  e para uma versão racial, publicada no Black Panther' Newspaper em 1973.
 Em 1978, até então anônima, Florence reclamou à Associated Press que não havia ganhado nenhum centavo pela fotografia. Ela disse que havia tentado, sem êxito, proibir a sua reprodução. No ano seguinte, a United Press International publicou uma reportagem sobre a Sra Thompson. A foto alavancou a carreira da fotógrafa.
Jornalistas americanos passaram décadas tentando localizar a mãe e seus sete filhos. No final dos anos 1970 ela foi encontrada,  não prosperara muito. Vivia em um trailer, o que nos Estados Unidos lhe dá o status de classe média-baixa. Mesmo passados setenta anos da foto a família não alterou muito seu poderio econômico. Em 1983 Florence adoeceu, seus filhos e netos fizeram uma campanha para arrecadar fundos para  o tratamento. Conseguiram US$ 25 mil.
 Florence  sobreviveu a Grande Depressão estadunidense, mas não ao câncer e no seu túmulo se lê: “Mãe Migrante – Um ícone da força da mãe americana”.

PEDRO W


Tu conheces o Pedro? Pedro W?
Pedro Weingärtner?
Aquele ali do lado da Dona Laura, não não é mãe dele..do outro lado está o Castro Alves, também não é o parente dele. Está pertinho do também pintor,o Vitor Meireles. 
Sabes como chego lá?
Ajuda se eu disser que ele foi desenhista, gravador e pintor?
É próxima à Johann Wolfgang von Goethe.Não conheces?      a Goethe pô.
O Pedro W...(ainda não me atrevo a pronunciar) nasceu na Porto Alegre oitocentista,num inverno rigoroso; proveniente de uma família de desenhistas e litógrafos de origem germânica. E cedo ouviu os apelos da veia artística familiar. Andou na Alemanha, na França e Itália. Residiu em Roma frequentando escolas tradicionais de artes. Nosso imperador concedeu-lhe uma bolsa de estudos no velho continente. Era um homem pacato que vivia entre dois mundos; temperamento quieto e calmo. Órfão de pai trabalhou numa ferragem antes de se tornar um pintor e fazer inúmeras exposições no Brasil e na Europa. Retratou principalmente cenas regionais e paisagens do Rio Grande do Sul e Itália, bem como temas da mitologia greco-romana, sendo o primeiro pintor gaúcho reconhecido nacional e internacional.
Vendia de lotes inteiros de obras expostas. Aqui no Sul, a preferência do público incidia mais sobre retratos do que sobre temas mitológicos e paisagens. a circulação de suas telas temáticas ainda no final do século XIX, tirava os apreciadores de obras da monotonia cultural da capital gaúcha. Suas obras eram de estilo romântico e melodramáticas. Atento aos mínimos detalhes seus trabalhos chegam a perfeição fotográfica.
Borges de Medeiros comprou uma de suas obras e colocou no Palácio do Governo. Júlio de Castilhos foi retratado por ele.
   Em 1912, Pedro estava instalado em seu ateliê na Via Margutta, em Roma; inquieto e insatisfeito, sentia necessidade de renovar-se, e seu pensamento se voltava para o Rio Grande do Sul, voltou em 1913, buscando nova inspiração no gaúcho. Após seis meses de sua chegada, apresentou ao público porto-alegrense trinta e três novas pinturas, que tinham como tema os hábitos e personagens típicos da campanha gaúcha. Hoje,dizem os estudiosos que muito do cotidiano sulino pode ser apreciado e entendido em suas telas.
Casou-se com Elisabeth Schmitt; ele a conhecera havia muitos anos, em Porto Alegre; mas somente aos 57 anos, julgava-se materialmente apto para as bodas.
Em 1925, após realizar mostras no Rio de Janeiro e em São Paulo, fez sua última exposição em Porto Alegre, com cinquenta e três peças, que encontraram algumas críticas desfavoráveis por conta da mudança dos gostos. O cenário gaúcho mostra o homem em contato com a terra, com os animais e no comércio. As cenas de festas e bailes mostram as confraternizações realizadas, principalmente, entre os imigrantes alemães. A última exposição foi encerrada antes do prazo previsto e não teve muitas vendas. Depois disso, ele não foi mais visto em público. Em 1927, Pedro Weingärtner sofreu um derrame que o deixou hemiplégico, muito sofreu vindo a falecer um dia após o Natal de 1929. Estava com 76 anos.
    A inexplicável escassez de estudos, sobre a vida e obra de Pedro Weingärtner, tem diversas razões, parece que a causa principal seja o descaso com que ele tem sido tratado pelas instituições e pelos estudiosos. A importância da sua obra criou uma aura impenetrável de consagração e também de silêncio.A casa em que morou Pedro Weingartner era quase uma casa rural, uma sede de chácara, no Moinhos de Vento. Houve um movimento,  para não demolir a casa. Uma noite, o proprietário meteu a picareta, incendiou, acabou. A casa, em si, não tinha maior valor, significado. O único valor era o de ter sido a moradia do grande pintor Pedro  Weingartner. 
Hoje, aqui na capital é nome de Rua: pequena, tranquila, silenciosa, ali no mesmo bairro que ele morou.
  Provavelmente ele gostaria de assistir no Parcão a quietude melancólica do entardecer; as árvores, o lago, o moinho,talvez lembrasse do antigo moinho que deu nome ao parque, um que existia nas imediações da atual confluência da Independência com a Ramiro Barcelos. Poderia meditar, se emocionar e poeticamente  criar obras que iriam se infiltrar, profunda e sutilmente, na sensibilidade dos apreciadores de sua arte... Retrataria tardes com aquela luz macia, a magia triste da paisagem e do silêncio que paira sobre as coisas e as criaturas quando desce a hora indefinida em que a alma se sente mais reflexiva e comunga com a  natureza. Evocaria anseios e meditaria sobre o que foi, sobre o que ficou para trás nos anos que passaram, no que deixou em terras longínquas...em quem foi pro outro lado do mar...
Talvez se questionasse sobre  o que sonhou quando uniu o seu destino a esse lugar novo  nessa cidade frenética,vibrante,alegre,descontraída,hospitaleira. 
   É ali que buscarei meu refúgio fugindo deliberadamente ao mundo e ao tempo, que esperarei pelos meus filhos, num ambiente de uma perdida e quase bucólica beleza. Talvez me faça os mesmos
questionamentos.


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GAÚCHO

          No extremo sul das Américas, existe uma região chamada Pampa, esse espaço geográfico se estende desde o rio Salado, ao sul de Buenos Aires, delimitando-se a noroeste pelas regiões que ficam ao norte do rio Negro (Uruguai), até o rio Jacuí (RS). Imensas planícies verdejantes, caracterizadas por uma vegetação composta por gramíneas e plantas rasteiras, situadas nas cercanias do estuário do Rio da Prata, formado por esse rio e seus afluentes, cujas águas se convertem no Oceano Atlântico. Antes da ocupação primeva do espaço cisplatino e transplatino por portugueses e espanhóis, habitavam esse território uma diversidade de povos autóctones. Esses nativos exerceram grande influência no  modo de viver próprio dessa região e de seu agente social mais característico, ou seja, o gaúcho.
       O espaço platino começou a ser explorado em 1531, pelos portugueses, com a expedição de Martim Afonso de Souza e Pero Lopes de Souza, os quais chegaram às terras do sul do Rio da Prata, demarcando-as para a Coroa Portuguesa. Os espanhóis procuraram ocupar o mesmo território fundando em 1536, o núcleo habitacional de Buenos Aires, destruído logo depois por nativos e novamente fundado em 1580.
Em 1626, o Padre Roque González de Santa Cruz atravessou o Rio Uruguai e fundou o primeiro núcleo de povoamento estável na região sulina do Brasil, a Redução de São Nicolau de Piratini, iniciando um projeto de catequese dos nativos pela Companhia de Jesus, fundando mais tarde outros aldeamentos chamados de Reduções, que formariam criatórios de gado vacum, ovino e eqüino e prática de agricultura. O gado vacum havia sido introduzido nessa região desde 1628, tanto que em 1633 registram-se em pequeno número nos povoados missioneiros. Só em 1634 o padre Cristóbal de Mendoza introduziu o gado vacum em grande escala.
            Os jesuítas desenvolveram junto aos nativos habilidades agrícolas e técnicas de criação e pastoreio. Esses aborígines reduzidos nas Missões Jesuíticas espanholas foram cobiçados como mão-de-obra pelos paulistas, que organizados em Bandeiras os apresavam, por ocasião da ocupação pelos holandeses das zonas africanas que forneciam mão-de-obra escrava.
            Os religiosos, ante essas constantes investidas, retiraram-se com seus nativos para a margem esquerda do Rio Uruguai, deixando o gado bovino nesse território. Desenvolvido à lei da natureza, esse gado reproduziu-se sem a interferência humana, formando imensos rebanhos selvagens de gado chimarrão ou orelhano, sendo que esses rebanhos atrairiam toda a sorte de aventureiros para a região.
O gado eqüino já estava no Pampa desde o século XVI, se desenvolvera livremente nas planuras do sul desde a expedição de Mendoza em 1535. Os nativos haviam aprendido o manejo desses animais selvagens. Mais tarde o cavalo foi reintroduzido pelo porto de Buenos Aires e pelo de Rio Grande, da mesma forma que o gado vacum povoaria os campos platinos. Não somente os rebanhos bovinos constituíam motivo de atração.
           De acordo com o Tratado de Tordesilhas, firmado em 1494 entre Portugal e Castela, a região do Rio da Prata era área hispânica. No ano de 1680, Portugal decidiu apossar-se da riba setentrional do Rio da Prata. Diante de Buenos Aires, iniciaram a construção de uma fortaleza: a Colônia de Sacramento. Essa cidadela foi cobiçada pelas duas coroas ibéricas, por dois outros objetivos: o controle integral da margem setentrional do rio da Prata e o domínio sobre as terras das campanhas da Banda Oriental.
       Ao mesmo tempo, os povoados missioneiros se desenvolviam na margem esquerda do Rio Uruguai; os espanhóis, na tentativa de bloquear o acesso dos lusitanos tanto pelo mar como pela terra, fundaram várias localidades, no século XVIII, como Montevidéu, Maldonado e San Carlos junto ao rio da Prata.
Para suprir as necessidades da colonização e na exploração das minas, foi necessária a utilização de mão de obra escrava negra, contrabandeada pelo porto de Buenos Aires; escravos negros, trazidos do Brasil ou diretamente das colônias africanas por comerciantes portugueses, começou a fluir para o cerro potosino.Uma expedição militar portuguesa comandada pelo brigadeiro José da Silva Paes foi enviada em 1737, para garantir aos lusitanos a posse de terras no Sul, espaço territorial disputado entre Portugal e Espanha. Sendo um ponto geográfico estratégico para a fixação do domínio lusitano, a Barra do Rio Grande de São Pedro constituía-se no local ideal para que lá se instalasse um reduto militar com acesso marítimo ao interior. Para efetivar a ocupação, ao fundar o presídio do Rio Grande.
          Para pôr fim às disputas luso-espanholas na América foi assinado o Tratado de Madri, com o qual o Brasil ganhou praticamente seus contornos definitivos, a Espanha cedeu o território das Missões Orientais do Uruguai a Portugal. Dessa forma, Portugal entregou-lhe a Colônia de Sacramento. Tal fato não ocorreu em harmonia, os nativos comandados pelos jesuítas rebelaram-se, recorrendo às armas para permanecer no território. As Missões Jesuíticas foram aniquiladas na Guerra Guaranítica, forçando o povo guarani a uma retirada; com a invasão luso-brasileira nos Sete Povos, em 1801, os guaranis se dispersaram pelo Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina, trabalhado como peões, tropeiros e artesãos.
O último tratado negociado entre as duas nações ibéricas foi de Santo Idelfonso, em 1777, pelo qual a Colônia de Sacramento e as Missões Orientais voltaram à soberania espanhola.
Em 1821, o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, oficializou a anexação da Banda Oriental ao Brasil com o nome de Província Cisplatina.
        Estes cenários, geográfico, político e humano, proporcionaram o surgimento do homem mestiço no Pampa rio-platense. Embora esse espaço, desde a sua ocupação pelas coroas ibéricas, tenha sido uma zona conflituosa, sempre cobiçada e disputada, onde aconteciam contatos beligerantes, também havia condições para outras relações. A interação social entre os habitantes propiciou o surgimento de um tipo social, fruto da aculturação e caldeamento entre as etnias. Este tipo social ocuparia a paisagem sulina do continente americano. Tal sujeito chamado gaúcho, por questão de sobrevivência, teve que se submeter às normas impostas pelas mudanças que iam paulatinamente alterando o cenário econômico, político e social das províncias sulistas no decorrer dos séculos.
         O gaúcho, na sua trajetória histórica de apreensão dos costumes, compartilhou-os com seus contemporâneos homônimos do espaço regional platino. Esse agente social desenvolveu-se motivado pela paisagem do Pampa e pelos signos culturais das etnias que o constituíram, habitando a região hoje pertencente a três países (Uruguai, Argentina e Sul do Brasil).Seus valores transfiguraram-se com a passagem inexorável do tempo. O que se entende por gaúcho no espaço regional do Prata contemporâneo, como gentílico do Rio Grande do Sul ou como 'el gaucho' nos países vizinhos de língua espanhola, distanciou-se daquele gaúcho histórico primordial.

FRIDA KAHLO



Anos depois desse dia, ela pensaria que deveria ter ouvido sua voz interior quando acordou.
O dia letivo terminara e ela esperava o ônibus, um autocarro, uma novidade para o ano de 1925, era uma tarde primaveril do dia 17 de setembro. Ajeitou a calça que usara para disfarçar sua perna mais fina e o pé meio torto, embora essa seqüela da doença infantil não mais a incomodasse. Acostumara-se aos apelidos da infância. Já tivera na vida sua dose de tragédia na vida quando foi acometida pela poliomelite. Estava alegre, o namorado juntara-se a ela nessa espera.
Tinha passado o dia estudando na Escola Nacional Preparatória da Universidade do México, preparando-se para o curso de medicina, o que muito orgulho lhe trazia, pois era uma das 35 meninas entre cerca de dois mil rapazes. Queria ser médica.
Em outra direção um trem fazia um trajeto oposto ao ônibus que ela ansiava.
Seu pai um fotógrafo judeu-alemão e sua mãe uma mestiça mexicana a esperavam em Coyoacán, um povoado da periferia da capital, queria contar ao pai que a estimulava a freqüentar aulas de pinturas, o aprendizado daquele dia. Frida sempre fora curiosa, inteligente, independente e persistente. Praticante de vários esportes gostava de andar de bicicleta e de nadar.
Quando o ônibus chegou entraram e ela sentou-se perto de uma senhora que levava um vidro grande cheio de um pó dourado.
O bonde que vinha em direção contrária ganhava velocidade. E se aproximava perigosamente.
Andaram algumas quadras e ônibus e trem colidiram, era um bonde elétrico. Frida foi jogada para fora, fora do veiculo e do próprio destino, num mundo de dores, cores, gritos, amputações e mortos. Destroços voaram alto, ouvia-se o ranger de dentes, corpo dilacerados. Comoção total.
Um momento surreal: ela ficou coberta de sangue, tinha uma barra de ferro atravessada no abdômen que saía pela vagina. Ela tinha 18 anos e estava partida ao meio, fraturada, rasgada, fragmentada física e emocionalmente. Ao sol o pó dourado que a tudo cobrira reluzia misturado ao sangue. Ela estava brilhante. Dourada.
Muito tempo passou, exilada da convivência de amigos, presa a quatro paredes e a uma cama hospitalar,ela começou a pintar num cavalete adaptado, pintaria sua própria biografia, pintaria suas telas deitada, muitas com um espelho na frente. Ela diria que pintava a própria realidade, que não era surrealista e que não pintava sonhos.Provavelmente sua maior seqüela foi o fato de não poder ter filhos, mesmo assim insistiu tendo vários abortos.
Seu país vivia o renascimento após uma revolução sangrenta, ela teria que vivenciar sua própria revolução e ressurgimento, enfrentar cerca de trinta e cinco cirurgias e uma vida amorosa conflitada, precisaria forjar na dor um devir diferente do imaginado.
Encontrar uma motivação. Filiada ao Partido Comunista, conheceu seu marido, um famoso muralista, teve uma vida conjugal tumultuada por casos extraconjugais com homens e mulheres, traições,desgostos e separações. Conheceu Leon Trotsky. Admirava Lênin, Marx e Engels. Suas obras, dizem os críticos, beira a ingenuidade, adotou temas do folclore mexicano, afirmando a identidade nacional. Suas telas refletem sua luta constante contra a dor. Tinha consciência de pertencimento à cultura mexicana ancestral e exibia isso também em sua forma de vestir, usava roupas indígenas e penteava os cabelos com torçais de lã de cores brilhantes,usava anéis, colares e brincos de ouro, jade, pérolas e conchas, muitos traziam símbolos e hieróglifos da cultura asteca. Era autêntica.
Aos 47 anos foi encontrada morta. Meses anos precisara amputar uma perna. Há suspeitas de suicídio. Suas cinzas foram colocadas numa urna pré- colombiana e repousam na Casa Azul transformada em museu. Sua ultima anotação no diário foi:
“Espero alegre a saída e espero nunca voltar."
Frida Kahlo criou um vinculo único e indissociável entre sua vida, seu amor, suas perdas e suas telas, usou pincéis da dolorosa realidade para retratar sua vida com sangue, intimidades e tintas.

TEINIAGUÁ

A lenda da "Salamanca do Jarau" está ancorada em três pilares: a atração exercida pela mulher, metamorfoseada em um animal (salamandra), pela abnegação do homem simples do campo, representando os valores imprescindíveis ao gaúcho e pela capacidade da lenda de ultrapassar o âmbito regional, atingindo o território da universalidade.
Quando a Espanha árabe ruiu ,os mouros fugiram, alguns estabeleceram-se na região sul do Brasil. Junto veio uma jovem princesa, transfigurada magicamente em uma velhinha, para não ser reconhecida e aprisionada.
Logo de chegada, encontraram o Anhangá-pitã, o demônio dos nativos. Contaram-lhe a história e o diabo resolveu ajudá-los. A linda princesa foi metamorfoseada numa salamandra com a cabeça de pedra brilhante ou "Teiniaguá" e viveria em uma lagoa no cerro do Jarau (município de Quaraí,região sudoeste do Rio Grande do Sul).
Atrás da Igreja da aldeia, morava um sacristão de nome Blau que foi até a lagoa, refrescar-se; a água fervia, e no meio dela surgiu Teiniaguá. Ele sabia que ela era uma linda princesa moura virgem e quem a conquistasse seria muito feliz.
Rapidamente colocou-a em uma guampa levando-a para seus aposentos. À noite, Teiniaguá tinha voltado a ser princesa e pedindo-lhe um pouco de vinho, apaixonado, roubou o vinho do padre, na sacristia. Os padres começaram a desconfiar do sumiço da bebida e invadiram seu quarto. A princesa assustada transformou-se em Teiniagá fugindo para as barrancas do rio Uruguai e o sacristão, acabou preso, condenado a morte no garrote vil.
No dia da execução, Teiniaguá com o coração apertado, utilizou-se de magia; procurou seu amado, abrindo sulcos na terra, até chegar à igreja, interrompendo a execução.
Salvos os dois ficaram escondidos em uma caverna muito funda e comprida no Cerro do Jarau e só seriam libertos desse encantamento, quando surgisse alguém que vencendo todas as provas de coragem e, depois de realizar um desejo que lhe seria concedido, desistiria dele.
Duzentos anos se passaram sem que ninguém tenha quebrasse o encanto. Certo dia campeando o gado, Blau chega à furna de Jarau. Conhecia a lenda, pois sua avó charrua já tinha lhe contado quando era criança. Saudou o antigo sacristão das Missões e submeteu-se a todas as provas de coragem. Logo foi levado à presença da salamandra encantada, que lhe concedeu um desejo. Porém, Blau nada desejara.
Quando ele montava seu cavalo para ir embora, o sacristão alcançou-lhe uma moeda de ouro como lembrança de sua estada. Para não fazer desfeita, aceitou-a. Durante muitos dias, Blau nem lembrou mais do ocorrido, porém lhe apareceu um bom negócio, um amigo queria desistir de criar gado e dizia-se interessado em vendê-los, puxou a guaiaca e lembrou-se da moeda. Muitos bois não poderia comprar, mas ao sacar a moeda da guaiaca, de lá retirou tantas moedas quantas fora preciso para comprar a boiada inteira. O amigo espalhou a notícia. E todos ficaram estarrecidos, pois Blau era um gaúcho pobre. Muito solitário, pois todos o evitavam, temendo um possível pacto seu com o diabo, devolveu a moeda. Nesse momento, o encantamento se quebrou e das furnas saíram os dois condenados, transformados em belos jovens. O final feliz foi seu casamento e a prole que trouxe descendência indígeno-ibérica ao Rio Grande do Sul.
Uma vez que os mouros introduziram a prática da magia negra na Espanha,sendo a cidade de Salamanca o mais importante reduto dessa prática( esse culto era praticado em cavernas e subterrâneos escuros e ocultos), aqui nessa região encontrou terreno fértil e apropiado para a mítica salamandra transformada em lenda povoar o imaginário popular e a pampa sul-platina.

VLAD, O EMPALADOR






Historicamente ele é conhecido por ter sido um cavaleiro cristão do século 15, um príncipe, um guerreiro de Cristo que lutou contra o expansionismo islâmico na Europa, considerado um herói ainda nos dias atuais em sua terra natal, a Romênia, e na República da Moldávia. Governante feroz, defensor de seus conterrâneos, respeitado por súditos e inimigos, lembrado pela suas temíveis formas de tortura e pelas atrocidades que costumava provocar em seus prisioneiros. Principalmente o empalamento, que consistia na inserção de uma estaca no ânus, vagina, ou umbigo até a morte do torturado. Outras maneiras de execução e tortura eram pregos fincados na cabeça e braços dos condenados, decepamento de membros, orelhas e narizes cortados, órgãos sexuais mutilados, principalmente os das mulheres, morte na fogueira, despedaçamento por cavalos, etc.
Suas estratégias de guerra também eram terríveis, usava a tática da “terra arrasada” e fazia incursões noturnas nos acampamentos inimigos matando sorrateiramente o maior número possível de homens sem deixar rastros. Sabia como despertar um dos mais obscuros sentimentos humanos: o medo.
Vlad III Tepes, o Empalador. Príncipe da Valáquia, antigo principado entre o rio Danúbio e os Alpes Transilvânicos, ele reinou sobre suas terras em 1448, de 1456 a 1462, e em 1476, ano de sua morte. Seu sobrenome romeno, Drácula (Draculea e/ou Drakulya), significa "filho do dragão", e refere-se a seu pai, Vlad Dracul, que recebeu este apelido de seus súditos após ter se juntado à Ordem do Dragão, uma ordem religiosa. Dracul, que vem do latim draco ("dragão"), significa "diabo" no romeno atual.
O reinado de Tepes foi cruel e sangrento. Os relatos dos feitos e das atrocidades cometidas por Tepes eram tão impressionantes que um poema épico sobre ele foi publicado pela máquina de impressão de Gutenberg.
Era uma época conturbada, pois os feudos romenos pertencentes aos três principados da Valáquia, Moldávia e Transilvânia no século 16, passaram para o domínio do Império Turco-Otomano, sendo também disputados pelos vizinhos do Império Austro-Húngaro, aos quais Vlad apoiava. Quando criança, como parte de um acordo entre seu pai e os turcos, Vlad ficou sete anos sob o domínio do sultão, sendo prisioneiro dele, numa demonstração de submissão paterna.
No ano de 1447 a Hungria invadiu a Valáquia e seu pai e irmão foram mortos, ele assumiu o trono por pouco tempo porque foi deposto, ficou escondido e em 1456 retornou e assumiu seu posto por seis anos. Nesse período o império turco otomano avançava sobre a Europa, ungidos pela fé eles ampliavam as fronteiras; em terra seus avanços foram orientados pela disciplina e inovação do exército otomano, no mar sua marinha bloqueou as principais rotas comerciais, controlando as rotas de maior tráfego entre a Europa e a Ásia.
Numa nova invasão Vlad III refugiou-se sozinho na Transilvânia, pois para não ser aprisionada pelos invasores, sua esposa se jogara de uma torre do castelo. Aprisionado naquele principado durante doze anos, durante os quais se reaproximou do rei, casando-se com uma de suas irmãs. Em 1476 conseguiu recuperar o reino que lhe havia sido usurpado, mas, diante de nova ofensiva não conseguiu sobreviver. A forma de sua morte não é suficientemente comprovada, algumas fontes dizem que ele morreu em combate durante o confronto que se seguiu, outras que foi assassinado por seus próprios soldados porque se encontrava disfarçado com roupas inimigas. Seu corpo foi decapitado pelos turcos e sua cabeça enviada à Constantinopla, onde o Sultão a manteve em exposição em uma estaca provando que o temido empalador tivera um fim.
Ele foi enterrado em Snagov, uma ilha-monastério localizada perto de Bucareste. Quando arqueólogos escavaram o túmulo nos anos 30, encontraram apenas ossos de animais.
Relatos alemães e turcos da época enfatizam sua crueldade; os turcos o odiavam e os alemães tinham questões econômicas e políticas com ele, os relatos romenos são orais e o consagram como um herói. O certo é que ele defendeu seu minúsculo principado de um esmagador império, enquanto pôde. Seu papel na história da humanidade não se perdeu no crepúsculo do tempo. Imortalizou-se de várias formas.
Essa história não é sobre o mito, mas sim sobre a figura real, em carne e osso: Vlad, o Empalador.

Os "BRUMMER"




Brasil e Argentina tiveram uma disputa ferenha pela influência no Uruguai (antiga província brasileira, a Cisplatina) e pela hegemonia na região do Rio da Prata, travada durante o período imperial brasileiro nos anos de 1851 e 1852.
Quando o conflito se iniciou ao sul do continente americano, chegava ao fim do outro lado do mundo a Primeira Guerra do Schleswig que deixou um grande contingente de soldados disponíveis. Essa guerra era um desacordo entre Dinamarca, que apoiara Napoleão e que deveria devolver ducados para a Prússia e Áustria, mas não o fez gerando essa guerra. No seu término o exército brasileiro contratou e embarcou para defender o Brasil doze companhias de mercenários germânicos, cerca de mil e oitocentos soldados de várias regiões que haviam lutado nesse conflito bélico, chamados de Brummer; Eles chegaram ao Rio de Janeiro em junho de 1851. Uma das razões dessa preferência é que já havia imigração de colonos germânicos para o Brasil, pois o Imperador D. Pedro I era casado com a arquiduquesa austríaca D. Leopoldina, filha do Imperador, ou Kaiser da Aústria ,Francisco II.
Nesse contexto lutar era uma profissão como outra qualquer.Engajar-se sob outra bandeira era contingência da necessidade de mão-de-obra em outros exércitos.Os oficiais e soldados vieram como profissionais das armas, contratados formalmente, era um trabalho.
Nessa ocasião o Império brasileiro também comprou farto material bélico: cerca de 200 fuzis Dreyse com agulha de carregar pela culatra, era o que havia de melhor e mais evoluído no velho mundo, cerca de 12 canhões prussianos,2 equipagens de pontes e 40 carretas austríacas de 4 rodas, para tração cavalar ou muar.Os canhões e equipagens de pontes se mostraram impróprios para as operações de guerra das campanhas do Rio Grande do Sul e do Uruguai, pois havia carência absoluta de estradas e pontes .
Brummer significa resmungador, murmurador. Os Brummer. Os ranzinzas. Provavelmente reclamavam do soldo e das condições de vida e falavam um dialeto estranho aos demais imigrantes alemães. Mas também dava - se o nome a antiga moeda feita em cobre com a qual eles eram pagos. Eram moedas pesadas que zuniam no balcão dos armazéns.
Os oficiais Brummer tinham grandes rivalidades entre si, que durante a viagem foram sendo reforçadas até a frente de batalha no sul do Brasil. Muitos soldados recrutados eram novatos, e longe da terra natal se entregavam a brigas e arruaças. Eles também deveriam obedecer ao sistema disciplinar prussiano, o que não funcionava para uma “legião estrangeira”, pois se tratava de uma espécie de código de honra.
Muitos desses homens eram atiradores experientes e equipados com os modernos fuzis, foram estrategicamente distribuídos entre as unidades de Infantaria, com a proposta de caçar os artilheiros de Rosas (Ditador Argentino) no seu raio de alcance, essa surpreendente tática forçava facilmente o rompimento das posições de artilharia inimiga, e a conseqüente penetração da cavalaria brasileira.
Porém poucos foram enviados para linha de frente para defender as fronteiras meridionais, pois os oficiais do exército brasileiro não confiavam muito neles. Até porque ao chegarem ao território conflagrado, a guerra estava terminada. Muitos morreram de frio, desnutrição ou doenças recorrentes da carência alimentar, outros tantos desertaram. Os Brummer tinham um contrato de quatro anos, e só no final desse tempo receberiam o dinheiro e passagem. A maioria preferiu ficar aqui, e o prazo do contrato foi cumprido vagando pela provincia do Rio Grande. Engajados ao exército permaneceram somente 450 que receberam terras posteriormente nos núcleos de colonização alemã. Trabalharam como comerciantes, agrimensores, agricultores, professores ou diretores de colônias. Entre eles uns seguiram carreira política, tinham alto nível intelectual. Parte desses homens se integraram ao Regimento Mallet em Santa Maria, a “bateria alemã”.
Alguns Brummer que se destacaram foram: Carlos Von Koseritz, na defesa dos direitos políticos dos imigrantes, o Barão Von Kahlden, Wilhelm Von Ter Brüggen e Frederico Hänsel que foram membros da Assembléia Provincial do Rio Grande do Sul; Herrmann Rudolf Wendroth, pintor que registrou em aquarelas a vida da província sulista, Franz Lothar de la Rue, primeiro diretor da colônia de Teutônia; Carl Otto Brinckmann, jornalista em Santa Maria; Carlos Jansen, jornalista em Porto Alegre.
Recrutados para defender pátria alheia, porém sua luta seria outra, sua guerra seria sobreviver em terra estranha, sobreviver às adversidades do destino.
Soldados sem guerra, longe da pátria mãe, da família, sem medalhas, sem honras de herói, enfrentando conflitos que não eram seus, sem bandeira, fugidos da fome, da miséria, da revolução industrial, da falta de unidade, da terra exaurida, do êxodo rural e cheios de desejos. Os resmungões: silenciosas e caladas memórias em livros de história.