GRAVILO PRINCIP
Condenado a um dia de jejum por mês e prisão sem luz e sem leito a cada dia 28, sentia-se terrivelmente só. Na semi escuridão abriu e fechou os olhos devagar, a noite chegava ao fim e ele esperava que seu sofrimento também acabasse com ela; uma tosse persistente o acompanhava, cuspia raias de sangue e tivera por semanas febre noturna com sudorese intensa, perdera o apetite, emagrecera muito e sentia um cansaço terrível. Há tempos estivera solitário e doente... e queria lembrar de seu último dia livre, fora das paredes daquela fortaleza.... Viu-se anos antes, numa manhã agradável de um domingo de verão nos Bálcãs, caminhava apressado, tinha um encontro importante, respirava com certa dificuldade, ele não sabia mas carregava o bacilo da tuberculose em seus pulmões, também desconhecia que o destino lhe reservava um papel inimaginável na história da humanidade.
Seu pai era carteiro, de família pobre, seis dos seus oito irmãos não chegaram à idade adulta. Nascera na última década do século 19,em 1894, na cidade de Obljaj na Bósnia.
Ótimo aluno estudou em Sarajevo e Tuzla, desde adolescente Gravilo Princip era discreto e gostava de ler, cursou o Colégio Técnico em Administração. Acreditava-se um idealista, entrara na organização secreta Bósnia Jovem pois sentia ódio pelo Império Austro-Húngaro. Era influenciado por teorias políticas oriundas da Rússia que defendiam o pan-eslavismo, cujas idéias eram de uma nação eslava com a neutralização do herdeiro do trono. Em 1912 foi morar em Belgrado. Antes dessa mudança, o jovem estudante filiara-se a um grupo radical nacionalista chamado “Mão Negra”(União ou Morte). Ele se orgulhava disso, usou na cerimônia de iniciação a túnica negra habitual e aliciara 4 amigos para a organização, como mandavam os estatutos, formando uma mão. Imaginava se um libertário. Esse grupo terrorista almejava unir todos os territórios com populações eslavas do Sul anexadas pela Áustria-Hungria. O objetivo de reunificação, em um Estado único todos os membros do povo sérvio, significava confrontos de interesses.
Bósnia e a Herzegovina tinham sido ocupadas pelo Império Austro-Húngaro em 1878 e anexadas em 1908. Muitos bósnios, particularmente os sérvios, não aceitavam a ocupação, preferindo a unificação com a Sérvia.
Gravilo não tinha namorada, seu amor pela causa estava acima de qualquer sentimento, ia encontrar-se com seus companheiros para um assassinato político; planejado com cuidado, nos mínimos detalhes. Jovens, sentiam-se poderosos com um arsenal de quatro pistolas, seis bombas e umas cápsulas de cianureto. Os rapazes com a ajuda de agentes da organização se distribuiriam no caminho que seria feito pela comitiva do herdeiro do império austro-húngaro com destino à prefeitura.
O arquiduque Francisco Ferdinando e sua esposa Sofia desembarcaram em Sarajevo, Bósnia; Ferdinando estava atento a ela, pois desconfiavam que ela esperasse um herdeiro. Em comitiva desfilaram em carro aberto pelas ruas da cidade. Conforme o que estava previsto pelos jovens, quando a comitiva passava em frente à estação policial, Nedjelko Cabrinovic joga uma granada na direção do carro do arquiduque. Só que a bomba atinge o automóvel que vem atrás, ferindo dois passageiros e vários pedestres. Cabrinovic engole cianureto e se atira no rio, mas não morre, pois o veneno estava vencido e o rio quase seco, facilmente sendo preso.
Gravilo desaparece na confusão, anda sem rumo perplexo até que chega a uma cafeteria e lá fica a pensar no fracasso da empreitada.
Mais tarde o arquiduque indignado pelas ocorrências vai visitar os feridos no hospital. O general Potiorek, responsável pela segurança dos visitantes, garante que o trajeto é seguro e traça uma rota alternativa, esquecendo-se de avisar o motorista de Ferdinando, que segue o caminho original. Gravilo Princip, que tomava um café na Rua Franz Joseph, atônito vê o carro oficial se aproximar, pega sua pistola Browning, modelo 1910 e dispara dois tiros, a menos de dois metros de distância do veículo. O primeiro disparo fatal acertou Sofia, no estômago, o segundo atingiu o pescoço de Francisco Ferdinando. Ele estava tão próximo que pode ver o brilho nos olhos do casal real se dissipar. Era o dia 28 de junho de 1914, o que ele planejara cuidadosamente o acaso encarregara-se de trazer à sua frente. Consumado o ato terrorista só lhe restava o suicídio, pois não suportava a idéia de ser aprisionando, além disso, era regra da “Mão Negra”. Princip usa primeiro o cianeto e depois sua arma, mas vomitou a pílula e sua arma foi-lhe tirada das mãos. Foi preso e a policia bateu em sua cabeça com a bainha de suas espadas, chutaram e socaram Princip, tiraram a pele de seu pescoço com as espadas e o torturaram. Ele foi levado à prisão militar acorrentado pelos pés. Mais de 20 homens estavam envolvidos nesse atentado, porém oito conspiradores foram declarados culpados. Os menores de idade foram sentenciados à prisão. Gavrilo Princip, Nedjelko Cabrinovic e Trifko Grabez pegaram pena máxima de 20 anos, Vaso Cubrilovic pegou 16 anos e Cvijetko Popovic 13 anos. Maiores de idade, Danilo Ilic, Veljko Cubrilovic e Misko Jovanovic foram executados em 3 de fevereiro de 1915.
O atentado, praticado pelo estudante nacionalista sérvio Gavrilo Princip, foi o pretexto para o início do sangrento conflito que logo assumiria proporções mundiais nunca imaginadas anteriormente. Os tiros disparados por sua velha arma na capital da província austro-húngara da Bósnia-Herzegovina precipitaram uma guerra impossível de ser evitada, que nenhum dos principais estadistas europeus desejava, pois a Europa estava dividida por alianças rivais e interesses diversos.
Gravilo só morreria quatro anos mais tarde do início da primeira guerra mundial, esquecido num campo de prisioneiros sérvios, sem saber dos acontecimentos que o assassinato duplo que ele cometera desencadeou.
Com olhos fechados,suspirou pela última vez ouvindo ao longe o barulho de bombas e canhões. Os disparos que ele fizera anos antes foram só os primeiros de milhares que ecoariam por toda a terra.