GAÚCHO

          No extremo sul das Américas, existe uma região chamada Pampa, esse espaço geográfico se estende desde o rio Salado, ao sul de Buenos Aires, delimitando-se a noroeste pelas regiões que ficam ao norte do rio Negro (Uruguai), até o rio Jacuí (RS). Imensas planícies verdejantes, caracterizadas por uma vegetação composta por gramíneas e plantas rasteiras, situadas nas cercanias do estuário do Rio da Prata, formado por esse rio e seus afluentes, cujas águas se convertem no Oceano Atlântico. Antes da ocupação primeva do espaço cisplatino e transplatino por portugueses e espanhóis, habitavam esse território uma diversidade de povos autóctones. Esses nativos exerceram grande influência no  modo de viver próprio dessa região e de seu agente social mais característico, ou seja, o gaúcho.
       O espaço platino começou a ser explorado em 1531, pelos portugueses, com a expedição de Martim Afonso de Souza e Pero Lopes de Souza, os quais chegaram às terras do sul do Rio da Prata, demarcando-as para a Coroa Portuguesa. Os espanhóis procuraram ocupar o mesmo território fundando em 1536, o núcleo habitacional de Buenos Aires, destruído logo depois por nativos e novamente fundado em 1580.
Em 1626, o Padre Roque González de Santa Cruz atravessou o Rio Uruguai e fundou o primeiro núcleo de povoamento estável na região sulina do Brasil, a Redução de São Nicolau de Piratini, iniciando um projeto de catequese dos nativos pela Companhia de Jesus, fundando mais tarde outros aldeamentos chamados de Reduções, que formariam criatórios de gado vacum, ovino e eqüino e prática de agricultura. O gado vacum havia sido introduzido nessa região desde 1628, tanto que em 1633 registram-se em pequeno número nos povoados missioneiros. Só em 1634 o padre Cristóbal de Mendoza introduziu o gado vacum em grande escala.
            Os jesuítas desenvolveram junto aos nativos habilidades agrícolas e técnicas de criação e pastoreio. Esses aborígines reduzidos nas Missões Jesuíticas espanholas foram cobiçados como mão-de-obra pelos paulistas, que organizados em Bandeiras os apresavam, por ocasião da ocupação pelos holandeses das zonas africanas que forneciam mão-de-obra escrava.
            Os religiosos, ante essas constantes investidas, retiraram-se com seus nativos para a margem esquerda do Rio Uruguai, deixando o gado bovino nesse território. Desenvolvido à lei da natureza, esse gado reproduziu-se sem a interferência humana, formando imensos rebanhos selvagens de gado chimarrão ou orelhano, sendo que esses rebanhos atrairiam toda a sorte de aventureiros para a região.
O gado eqüino já estava no Pampa desde o século XVI, se desenvolvera livremente nas planuras do sul desde a expedição de Mendoza em 1535. Os nativos haviam aprendido o manejo desses animais selvagens. Mais tarde o cavalo foi reintroduzido pelo porto de Buenos Aires e pelo de Rio Grande, da mesma forma que o gado vacum povoaria os campos platinos. Não somente os rebanhos bovinos constituíam motivo de atração.
           De acordo com o Tratado de Tordesilhas, firmado em 1494 entre Portugal e Castela, a região do Rio da Prata era área hispânica. No ano de 1680, Portugal decidiu apossar-se da riba setentrional do Rio da Prata. Diante de Buenos Aires, iniciaram a construção de uma fortaleza: a Colônia de Sacramento. Essa cidadela foi cobiçada pelas duas coroas ibéricas, por dois outros objetivos: o controle integral da margem setentrional do rio da Prata e o domínio sobre as terras das campanhas da Banda Oriental.
       Ao mesmo tempo, os povoados missioneiros se desenvolviam na margem esquerda do Rio Uruguai; os espanhóis, na tentativa de bloquear o acesso dos lusitanos tanto pelo mar como pela terra, fundaram várias localidades, no século XVIII, como Montevidéu, Maldonado e San Carlos junto ao rio da Prata.
Para suprir as necessidades da colonização e na exploração das minas, foi necessária a utilização de mão de obra escrava negra, contrabandeada pelo porto de Buenos Aires; escravos negros, trazidos do Brasil ou diretamente das colônias africanas por comerciantes portugueses, começou a fluir para o cerro potosino.Uma expedição militar portuguesa comandada pelo brigadeiro José da Silva Paes foi enviada em 1737, para garantir aos lusitanos a posse de terras no Sul, espaço territorial disputado entre Portugal e Espanha. Sendo um ponto geográfico estratégico para a fixação do domínio lusitano, a Barra do Rio Grande de São Pedro constituía-se no local ideal para que lá se instalasse um reduto militar com acesso marítimo ao interior. Para efetivar a ocupação, ao fundar o presídio do Rio Grande.
          Para pôr fim às disputas luso-espanholas na América foi assinado o Tratado de Madri, com o qual o Brasil ganhou praticamente seus contornos definitivos, a Espanha cedeu o território das Missões Orientais do Uruguai a Portugal. Dessa forma, Portugal entregou-lhe a Colônia de Sacramento. Tal fato não ocorreu em harmonia, os nativos comandados pelos jesuítas rebelaram-se, recorrendo às armas para permanecer no território. As Missões Jesuíticas foram aniquiladas na Guerra Guaranítica, forçando o povo guarani a uma retirada; com a invasão luso-brasileira nos Sete Povos, em 1801, os guaranis se dispersaram pelo Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina, trabalhado como peões, tropeiros e artesãos.
O último tratado negociado entre as duas nações ibéricas foi de Santo Idelfonso, em 1777, pelo qual a Colônia de Sacramento e as Missões Orientais voltaram à soberania espanhola.
Em 1821, o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, oficializou a anexação da Banda Oriental ao Brasil com o nome de Província Cisplatina.
        Estes cenários, geográfico, político e humano, proporcionaram o surgimento do homem mestiço no Pampa rio-platense. Embora esse espaço, desde a sua ocupação pelas coroas ibéricas, tenha sido uma zona conflituosa, sempre cobiçada e disputada, onde aconteciam contatos beligerantes, também havia condições para outras relações. A interação social entre os habitantes propiciou o surgimento de um tipo social, fruto da aculturação e caldeamento entre as etnias. Este tipo social ocuparia a paisagem sulina do continente americano. Tal sujeito chamado gaúcho, por questão de sobrevivência, teve que se submeter às normas impostas pelas mudanças que iam paulatinamente alterando o cenário econômico, político e social das províncias sulistas no decorrer dos séculos.
         O gaúcho, na sua trajetória histórica de apreensão dos costumes, compartilhou-os com seus contemporâneos homônimos do espaço regional platino. Esse agente social desenvolveu-se motivado pela paisagem do Pampa e pelos signos culturais das etnias que o constituíram, habitando a região hoje pertencente a três países (Uruguai, Argentina e Sul do Brasil).Seus valores transfiguraram-se com a passagem inexorável do tempo. O que se entende por gaúcho no espaço regional do Prata contemporâneo, como gentílico do Rio Grande do Sul ou como 'el gaucho' nos países vizinhos de língua espanhola, distanciou-se daquele gaúcho histórico primordial.