ÖTZI


Aquela manhã era muito fria, como tantas que ele já enfrentara... A primavera chegara ao fim e ele precisava juntar os animais e iniciar a longa marcha até o outro lado das montanhas, como faziam seus antepassados, onde havia ainda alguma vegetação que serviriam de alimento para seu pequeno rebanho. Otzi era um pastor, homem baixo que já passara da casa dos 40, o que na Idade do Ferro era uma raridade, sentia algumas dores, já havia quebrado costelas e um braço durante sua vida nos Alpes da Europa Setentrional da Antiguidade. Há meses andava doente, infectado por algum parasita, tivera por dias transtornos intestinais, o que enfraquecera seu corpo miúdo. Ao pegar seu agasalho olhara suas tatuagens com respeito e admiração, sentia uma dor no estômago, fome provavelmente, sua alimentação nunca fora adequada ou suficiente, seus dentes estavam muito gastos pelas carências. Colocou três camadas de roupas feitas de pele de veado e de cabra, e uma capa forrada da longa e resistente fibra da casca de tília. Seu chapéu era de pele de urso, que ele abatera junto com outros homens de sua aldeia, e os sapatos, combinavam pele de urso e cabra. Os sapatos foram cuidadosamente costurados com uma agulha de osso e forrados com grama por ele.
Seus bens mais preciosos eram um machado de cobre e um punhal de sílex oriundo do Lago de Garda, a mais ou menos 150 km ao sul da região que ele estava. O cabo do punhal era de uma madeira usada até hoje para fazer cabos, por sua resistência. Seu arco inacabado foi feito com a melhor madeira para esse fim. Uma aljava de pele levava 14 flechas. Apenas duas tinham penas e pontas de sílex, mas ambas estavam quebradas.
Verificou com cuidado se na bolsa presa ao cinto continha material para fazer fogo: um fungo que cresce nas árvores, pirita de ferro e sílex para produzir faíscas. Era um kit de sobrevivência, o que lhe garantia auto-suficiência. Uma pequena ferramenta própria para amolar sílex também foi colocada na bolsa. Em correias que ele pacientemente fizera de pele de animal, Ötzi carregava dois pedaços de fungo de bétula, esse fungo podia ser usado como remédio, também levava uma rede, uma espécie de mochila e dois recipientes feitos de casca de bétula; um levava carvão e folhas de bordo norueguês onde ele, ás vezes, transportava brasas envolvidas por folhas.
O lar de Ötzi ficava na fronteira entre a Áustria e a Itália Mas ele não sabia disso, pois isso só seria delimitado milhares de anos depois de sua morte, sua comunidade vivia numa região de invernos amenos, curtos e geralmente sem neve.
Comeu o resto do veado vermelho que matara dias atrás e da cabra montesa alpina.Para a viagem ele separara uma provisão de abrunhos secos e uma espécie de pão feito de trigo que ele assara num braseiro.
Certo que tinha tudo o que precisaria começou a travessia, a neve entravava sua marcha e o vento cortava a pele, minúsculos cristais de gelo formavam-se em sua barba, sempre atento ao seu rebanho não percebeu a aproximação de alguns homens de uma tribo rival, que frente à escassez de caça naqueles dias cobiçaram suas ovelhas. Somente quando uma dor aguda o deixou sem ar percebeu que havia sido atingido na omoplata esquerda, não houve tempo para defesa,como de outras vezes, ferido mortalmente por uma flecha arremessada à distância, procurou fugir, mas alguns passos adiante caiu de bruços num rochedo.Seu último pensamento foi para sua gente que na aldeia continuava o árduo devir humano. Os dias, anos e milênios passaram e seu cadáver foi sendo arrastado conforme o degelo e as nevascas se alternavam na longa e escura noite dos tempos. Civilizações floresceram, pirâmides foram erguidas e impérios conquistados...até que muitas eras depois, alguns turistas modernos praticando esportes de inverno encontraram seu frágil corpo. Foi uma surpresa para a comunidade científica. Era o homem de gelo, a múmia mais velha congelada, nomeado como Ötzi,trazido à contemporaneidade diretamente do período neolítico, assassinado 5 mil anos antes por algum montanhês errante daqueles primórdios.

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