Os "BRUMMER"




Brasil e Argentina tiveram uma disputa ferenha pela influência no Uruguai (antiga província brasileira, a Cisplatina) e pela hegemonia na região do Rio da Prata, travada durante o período imperial brasileiro nos anos de 1851 e 1852.
Quando o conflito se iniciou ao sul do continente americano, chegava ao fim do outro lado do mundo a Primeira Guerra do Schleswig que deixou um grande contingente de soldados disponíveis. Essa guerra era um desacordo entre Dinamarca, que apoiara Napoleão e que deveria devolver ducados para a Prússia e Áustria, mas não o fez gerando essa guerra. No seu término o exército brasileiro contratou e embarcou para defender o Brasil doze companhias de mercenários germânicos, cerca de mil e oitocentos soldados de várias regiões que haviam lutado nesse conflito bélico, chamados de Brummer; Eles chegaram ao Rio de Janeiro em junho de 1851. Uma das razões dessa preferência é que já havia imigração de colonos germânicos para o Brasil, pois o Imperador D. Pedro I era casado com a arquiduquesa austríaca D. Leopoldina, filha do Imperador, ou Kaiser da Aústria ,Francisco II.
Nesse contexto lutar era uma profissão como outra qualquer.Engajar-se sob outra bandeira era contingência da necessidade de mão-de-obra em outros exércitos.Os oficiais e soldados vieram como profissionais das armas, contratados formalmente, era um trabalho.
Nessa ocasião o Império brasileiro também comprou farto material bélico: cerca de 200 fuzis Dreyse com agulha de carregar pela culatra, era o que havia de melhor e mais evoluído no velho mundo, cerca de 12 canhões prussianos,2 equipagens de pontes e 40 carretas austríacas de 4 rodas, para tração cavalar ou muar.Os canhões e equipagens de pontes se mostraram impróprios para as operações de guerra das campanhas do Rio Grande do Sul e do Uruguai, pois havia carência absoluta de estradas e pontes .
Brummer significa resmungador, murmurador. Os Brummer. Os ranzinzas. Provavelmente reclamavam do soldo e das condições de vida e falavam um dialeto estranho aos demais imigrantes alemães. Mas também dava - se o nome a antiga moeda feita em cobre com a qual eles eram pagos. Eram moedas pesadas que zuniam no balcão dos armazéns.
Os oficiais Brummer tinham grandes rivalidades entre si, que durante a viagem foram sendo reforçadas até a frente de batalha no sul do Brasil. Muitos soldados recrutados eram novatos, e longe da terra natal se entregavam a brigas e arruaças. Eles também deveriam obedecer ao sistema disciplinar prussiano, o que não funcionava para uma “legião estrangeira”, pois se tratava de uma espécie de código de honra.
Muitos desses homens eram atiradores experientes e equipados com os modernos fuzis, foram estrategicamente distribuídos entre as unidades de Infantaria, com a proposta de caçar os artilheiros de Rosas (Ditador Argentino) no seu raio de alcance, essa surpreendente tática forçava facilmente o rompimento das posições de artilharia inimiga, e a conseqüente penetração da cavalaria brasileira.
Porém poucos foram enviados para linha de frente para defender as fronteiras meridionais, pois os oficiais do exército brasileiro não confiavam muito neles. Até porque ao chegarem ao território conflagrado, a guerra estava terminada. Muitos morreram de frio, desnutrição ou doenças recorrentes da carência alimentar, outros tantos desertaram. Os Brummer tinham um contrato de quatro anos, e só no final desse tempo receberiam o dinheiro e passagem. A maioria preferiu ficar aqui, e o prazo do contrato foi cumprido vagando pela provincia do Rio Grande. Engajados ao exército permaneceram somente 450 que receberam terras posteriormente nos núcleos de colonização alemã. Trabalharam como comerciantes, agrimensores, agricultores, professores ou diretores de colônias. Entre eles uns seguiram carreira política, tinham alto nível intelectual. Parte desses homens se integraram ao Regimento Mallet em Santa Maria, a “bateria alemã”.
Alguns Brummer que se destacaram foram: Carlos Von Koseritz, na defesa dos direitos políticos dos imigrantes, o Barão Von Kahlden, Wilhelm Von Ter Brüggen e Frederico Hänsel que foram membros da Assembléia Provincial do Rio Grande do Sul; Herrmann Rudolf Wendroth, pintor que registrou em aquarelas a vida da província sulista, Franz Lothar de la Rue, primeiro diretor da colônia de Teutônia; Carl Otto Brinckmann, jornalista em Santa Maria; Carlos Jansen, jornalista em Porto Alegre.
Recrutados para defender pátria alheia, porém sua luta seria outra, sua guerra seria sobreviver em terra estranha, sobreviver às adversidades do destino.
Soldados sem guerra, longe da pátria mãe, da família, sem medalhas, sem honras de herói, enfrentando conflitos que não eram seus, sem bandeira, fugidos da fome, da miséria, da revolução industrial, da falta de unidade, da terra exaurida, do êxodo rural e cheios de desejos. Os resmungões: silenciosas e caladas memórias em livros de história.

ANITA G.




Que estranhas as malhas da renda das vidas das mulheres. Intrincados meandros que se entrelaçam. Uma vez estive na casa de Anita Garibaldi em Laguna (SC), muitos anos depois minha filha esteve em seu túmulo na Itália.(foto).O túmulo onde Anita foi sepultada pela sétima vez. Morreu provavelmente vitima da malária, embora a tuberculose, lesão pulmonar, congestão intestinal e tifo das montanhas foram outras causas mortis atribuídas.
Garibaldi em suas memórias escreveu: "Ao depor minha mulher no leito, me pareceu descobrir em seu rosto a expressão da morte. Tomei-lhe o pulso... já não batia. Eu tinha diante de mim o cadáver da mãe de meus filhos, que eu tanto amava."
Grávida de seis meses morreu na terra de seu esposo, longe de onde nascera e seu corpo teve seis sepultamentos antes do definitivo.
No dia fatal, no derradeiro instante de sua vida, os compatriotas italianos, os liberais uruguaios, os farrapos brasileiros e os republicanos do novo e do velho mundo não puderam pranteá-la, ela e Garibaldi estavam em fuga e em luta pela unificação da Itália. Ele foi obrigado a partir deixando seu corpo entregue a dois homens para que a enterrassem clandestinamente, pois corria risco de morte, eles o fizeram dantescamente por duplo medo: o de contágio e o das patrulhas noturnas. Era o dia 4 de agosto de 1849.
O cadáver foi colocado sobre um carro de duas rodas que encalhou na areia, eles completaram o percurso arrastando a morta, por meio de uma corda amarrada ao pescoço. Dias depois uma criança achou o cadáver semi encoberto. Tinha um ferimento feio no pescoço que confundiu o médico legista na necropsia, soube-se que se tratava do cadáver da esposa de Giuseppe Garibaldi, o que atraiu as autoridades militares austríacas. No dia 11 de agosto foram realizadas as exéquias, ela foi sepultada em cova simples, com uma cruz de madeira, no cemitério local atrás da igreja de Madriole, na região de Ravenna.
Dez anos depois, liderados por Francesco Manetti, alguns garibaldinos remanescentes seqüestraram os restos mortais de Anita, sepultando-a em segredo. Tinham o receio de que a sepultura fosse violada pelos adversários da unidade italiana, temiam seu desaparecimento. Descoberto o seqüestro, o padre Francesco Burzatti recuperou os restos mortais e enterrou-a no interior da Igreja, perto do altar.
Em 22 de setembro de 1859, ao voltar de seu longo exílio, Giuseppe Garibaldi, acompanhado pelos filhos Menotti, Riciotti e Teresita, foi a Mandriolle, desenterrou os restos mortais, organizou um cortejo fúnebre para o sepultamento em Nizza, junto a sua mãe. No caminho passou por diversas cidades, parando para homenagens e exaltações, nas cidades de Ravena, Bolonha, Livorno, Gênova e Nizza. Garibaldi pagou a promessa feita à memória de Anita no dia de seu falecimento e motivou as populações por onde passou a retomarem e prosseguirem a luta pela unidade italiana.
A cidade de Nizza (atual Nice) foi transferida ao domínio da França, em pagamento de empréstimo de guerra, durante o segundo período da campanha da unificação italiana. Em 1931, por solicitação do Governo de Mussolini, a França consentiu no traslado dos restos mortais para Roma. Como as obras da Praça Anita Garibaldi ainda não estavam prontas ela foi sepultada provisoriamente em Gênova.
Em 2 de junho de 1932,(exatamente 48 anos antes do nascimento de minha filha)o Governo italiano patrocinou e promoveu um gigantesco traslado, transformado o evento em um dos maiores atos cívicos da história da Jovem Itália. Seu túmulo encontra-se no monte Gianícolo,em Roma, lá descansam os restos mortais de Ana Maria de Jesus Ribeiro, Anita Garibaldi, a heroína dos dois mundos.
Aninha desde pequena via o mar como parte de sua vida, gostava de caminhar na areia fina, sentir a maresia; o oceano despertava emoções diferentes nos seus sentidos de menina e olhava para o horizonte intuitivamente, sabia que em algum momento do seu futuro daquela linha distante viria algo que transformaria seu destino raso de ribeirinha. Sabia montar, de personalidade livre, gostava de cavalgar pelo litoral catarinense. Casada a contragosto precocemente com um homem mais velho, prático, rude que não entendia direito seus sonhos etéreos numa terra em conflito, preocupado com sua sapataria e pescarias que cedo a abandonou para lutar junto às tropas imperiais. Ela tinha uma pele morena com longos cabelos negros, e olhos escuros, ágil, esbelta e indômita, despertava a inveja das mulheres e o desejo masculino, alheia aos padrões morais da época costumava banhar-se no mar, gostava de viver ao ar livre, curiosa e esperta para sua idade.
O estado ao sul estava em guerra com o Império, descontentes com o sistema político vigente. Laguna seria o porto que um homem predestinado a ser considerando herói no velho e novo continente, tomaria em 1837, durante a Guerra dos Farrapos, a serviço da República Rio-Grandense.
Na comemoração pela vitoria ela avistou, em meio aos líderes farrapos, a figura de um homem vestido com roupas diferentes. Vestia botas compridas com calças pretas, parcialmente cobertas por um poncho cinza claro Não era um homem muito alto com um cabelo longo e loiro, com olhos claros, sentiu por ele um sentimento que jamais havia tido a oportunidade de experimentar. Garibaldi tinha, então 32 anos de idade.
Garibaldi que morava no seu navio costumava direcionar sua luneta para a terra e numa dessas ocasiões Aninha entrou no seu foco de visão, logo a tomou para si como Anita - e desde então permaneceram juntos. Acompanhava-o em todos os combates, entusiasmada com os ideais democráticos e liberais dele, aprendera a lutar
com espadas e usar armas de fogo, mulher destemida se transformaria numa companheira para todos os momentos, no sul do Brasil, no Uruguai e na Itália.
Da união de Giuseppe e Anita nasceram quatro filhos: seu primogênito Menotti, o único que nasceu no Brasil – Rio Grande do Sul; e nos anos seguintes Rosita, Teresita e Riccioti, que nasceram na capital uruguaia. Rosita morreu quando tinha apenas dois anos e meio, vítima de um ataque de difteria.
Mulheres. Anitas, Marias ou Micheles.Desimporta o século.Tecem todas elas às portas de seus sonhos tramas invisíveis. Como renda de bilro. Atemporais. Tecem junto a outras mulheres da mesma rua, a trama dos destinos; minha rua passa por outras cidades, atravessa países, ignora oceanos, não há fronteiras. Tecemos todas nós o mesmo fio, matéria viva,dos nossos anseios, dos nossos segredos, das nossas desistências, da nossa sina.

MALINCHE





No número 57 da Rua Higuera, em St. Coyoacán, distrito da Cidade do México existe uma imponente casa de pedra, está lá há mais de 500 anos, mas não há sinal, placa, nada que indique quem foram seus moradores, tampouco é um museu; nenhum mexicano passa em frente, e quando algum turista desavisado para admirando-a é logo discretamente guiado para outro caminho. Todos sabem o nome da única mulher que ali morou, mas seu nome não é pronunciado.
Ixkakuk, Malina Tenepal, Malintzin, Malinalli, Dona Marina.Malinche. Ela é conhecida por muitos nomes em vários dialetos, mas com o passar do tempo, seu nome tornou-se associado com a traição
Quando ela nasceu, um oceano e muitos séculos de diferenças culturais a separavam de seu destino.
Os pais eram caciques em uma cidade chamada Paynala, nasceu na etnia nahua.Logo, a mãe viúva casou-se com outro cacique e teve um filho com o novo marido. Para que o bebê tivesse direito à herança, o casal resolveu dar a filha mais velha para os nativos de Xicalango. Assim, ela aprendeu tanto o idioma maia quanto o náuatle, a língua asteca. Essa habilidade com idiomas a tornaria imprescindível nas conquistas espanholas no novo mundo. Alta e forte para sua idade, aprendera ser mais assertiva do que comumente se espera para as mulheres jovens. Ela freqüentou a melhor escola de Tenochtitlán, um privilégio concedido a algumas meninas, e foi educada pela avó, Ciuacoatl. Além de aprender as artes domésticas, ela continuou a leitura e a escrita de pictogramas e estudou oratória e retórica, assim como a medicina das ervas.
Ela, como seus contemporâneos, esperavam a reencarnação do deus Quetzalcoatl, que voltaria para acabar com os sacrifícios humanos praticados pelo imperador asteca Montezuma,como pregava a profecia. Ele chegou na pele de um estrangeiro muito alto, com cabelos e barba vermelhos e olhos claros, chegou pelo mar em embarcações que eles jamais imaginaram, portavam armas de fogo e espadas de material nunca vistos e montavam cavalos, animais desconhecidos e traziam doenças...
Hernán Cortéz antes de desembarcar no México esteve em Cuba com seus soldados. A colonização espanhola em terras americanas teve início nas ilhas do Caribe e das Bahamas. Acreditavam que deveria existir ouro em grande quantidade em todo o continente americano. Assim ele partiu de Cuba e desembarcou no litoral do que hoje é o México, em 1519 com 11 navios e mais de 508 soldados, gripe e varíola. Logo encontrou duas pessoas que lhe seriam muito úteis: Jerônimo Aguilar, um náufrago espanhol,que havia sido prisioneiro dos maias na península de Yucatán e conhecia a língua maia, um dos idiomas falados no Império Asteca.
E Malinche, uma das vinte jovens prisioneiras que foram oferecidas como presente pelo nativos a ele na chegada a Tabasco, uma das várias províncias do Império Asteca. Oferenda de boas vindas ao deus recém chegado
Cortéz teria uma vantagem importante em relação aos astecas, contaria com a ajuda de guias e desses intérpretes, por meio dos quais, obteve muitas informações a respeito da situação do Império Asteca.
Batizada como Marina, Doña Marina, rapidamente aprendeu o castelhano e se tornou guia conselheira, tradutora, intérprete e amante de Cortéz, pois ele era casado, chegando a ter um filho dele, reconhecido pelo espanhol e batizado como Martín Cortéz. Os astecas se referiam como Malinche, ao próprio Cortéz. Malinche se traduz como "O capitão de Marina", sendo a própria Marina chamada "La Malinche", a mulher do capitão.
Hábil para aprender idiomas e para negociações entre culturas diversas ajudou os espanhóis na tentativa de estabelecer relações amigáveis com o império Asteca e a conquistar aliados entre povos indígenas tributados por Montezuma.
Após a conquista do império asteca, Cortéz, por ser casado na Espanha, arranjou para Malinche um casamento com um castelhano, Don Juan Xamarillo. O filho de Malinche seria o primeiro "mexicano", o primeiro mestiço, amálgama de duas civilizações. Exerceu uma posição elevada no governo. Em 1548, acusado de conspiração contra o Vice Rei, foi torturado e executado. Malinche também teve uma filha, D. Maria, com seu marido espanhol. Como mãe de dois filhos mestiços Marina poderia ser considerada a mãe da nação mexicana, a Eva americana.
Seu nome no México moderno é um insulto. Para os mexicanos ser chamado de malinchista é ser chamado de amante dos estrangeiros, um traidor.
Ela não escolhera seu nome nem seu destino.

MATA HARI



Margaretha escolheu com esmero a roupa e os acessórios para aquele dia, vestiu-se calmamente, um belo corselete rendado que afinavam mais ainda sua cintura delicada e deixava mais belos seus seios pequenos, contrastando com sua pele escura. Uma saia comprida e justa realçava seus 1,70 de altura, escolheu um charmoso par de botas, chapéu que cobria parte de seu cabelo negro e luvas.... Calçou-as dedo a dedo com carinho, iam até os cotovelos. Olhou-se demoradamente no espelho, seus lábios e olhos tinham aquele ar de sensualidade que atraem os olhares de homens e mulheres. Uma dama elegante... Uma “femme fatale”. Passou demoradamente o batom nos lábios e colocou duas gotas de perfume. Um rosto lhe veio à mente e suas faces afoguearam-se: Vladimir, mas ela afastou essa tênue lembrança. Estava pronta.
Maragaretha tinha 41 anos e preparava-se para ser fuzilada.
Era uma manhã outonal em Paris do dia 15 de outubro de 1917. O mundo digladiava-se numa guerra que não era dela e que agora não tinha a menor importância.
Nascera no norte da Holanda em 1876. Gostava de esbanjar, herdara a personalidade pretensiosa e ambiciosa do pai holandês, da mãe javanesa o aspecto exótico e a pele escura. A infância foi crítica com a falência dos negócios da família, separação dos pais e morte prematura da mãe. Queria ser professora de escola maternal, mas aos 19 anos, casou-se com um capitão holandês 20 anos mais velho. Com ele contraira sífilis. Em maio de 1897, com seu primeiro filho, Norman, mudou-se para a Indonésia, pois seu marido trabalhava na Companhia das Índias Orientais. Perto de Bali, nasceu Juana-Luisa. Na Ásia como passatempo começou a vestir trajes malaios e a imitar danças locais para oficiais, o que provocava a ira das esposas dos funcionários holandeses. A amante de seu marido era também babá das crianças e tentou matá-los, colocando veneno no molho do arroz. Non sobreviveu, mas Norman não. Em 1902, a família voltou para a Europa e eles se separam. Contra a decisão judicial, o capitão John se recusou a pagar pensão alimentar e seqüestrou Non da mãe, que tinha sua guarda. Em 1903, aos 27 anos ela desembarcou em Paris. Trabalhava como modelo posando nua, tempos depois voltou à Holanda e arrumou um amante, um barão. No ano seguinte voltou para Paris e hospedou-se num bom hotel mandando a conta para o amante.
Nascia Mata Hari, expressão malaia que significa “olho da manhã”, mas pode também ser traduzida por “luz do dia”. Eximia bailarina, se apresentou nas melhores casas de espetáculo, shows belíssimos de strip-tease que encantavam multidões; colecionava amantes e admiradores. De 1910 a 1911 foi viver como amante permanente do banqueiro francês. Fora dos palcos, sem dinheiro, partiu para Berlim atrás de um ex-amante. Porém em 28 de julho de 1914, um mês após o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, o Império Áustro-Húngaro invadiu a Sérvia. O conflito generalizou-se rapidamente: de um lado a Tríplice Aliança (Alemanha, Itália e Áustria-Hungria), de outro, a Tríplice Entente (Inglaterra, França e Rússia). Mata Hari queria voltar para Paris, embarcou no trem para a Suíça. Na fronteira, fizeram-na descer para interrogatório. As autoridades alemãs exigiam um documento oficial atestando sua nacionalidade holandesa e um visto suíço, o que a fez volta para a Holanda. A movimentação daquela mulher desprendida e solteira começou a levantar suspeita junto às autoridades inglesas e francesas. Passou a ser seguida pelo serviço secreto inglês, que procurava indícios para culpá-la de espionagem a serviço da Alemanha. Em Paris era seguida por policiais franceses, alertados pelos ingleses. Para visitar o amado, Vladimir, que fora ferido, Mata Hari precisava de uma autorização especial de acesso à zona militar. Conseguiu autorização, mas trabalharia como espiã para a França.
Em 1917 foi presa pelos franceses, supostamente trabalhava como a espiã H-21 no Serviço Secreto alemão, divulgando muitos dos mais importantes segredos militares franceses, que lhe eram contados pelos seus amantes militares, também teria trabalhado para o Governo francês como contra-espiã. Num julgamento que durou dois dias, foi condenada à morte por traição e como co-autora da morte de mais de 10.000 soldados, devido às informações que passara ao inimigo.
Seu cadáver não teria túmulo, seria usado por estudantes de medicina como era de praxe naqueles tempos, em aulas de anatomia e a cabeça seria mumificada. Mas isso não importava agora. Um pelotão de fuzilamento no castelo de Vincennes a esperava. Enquanto caminhava pensava que sempre fora uma mulher sedutora e não perderia essa última chance, planejava expor os seios, não queria usar a venda e nem ser amarrada, queria o olhar daqueles homens, queria ver sua reação. Imaginava que no último instante algum de seus muitos amantes numa manobra arrojada trocaria os projéteis mortais por balas de festim. Soprou um beijo em direção a eles. Uma só detonação para os 12 tiros, seguida de outra. As trombetas soaram. Seu olhar enigmático perde-se no vazio. Na boca o gosto de um champanhe


GRAVILO PRINCIP
Condenado a um dia de jejum por mês e prisão sem luz e sem leito a cada dia 28, sentia-se terrivelmente só. Na semi escuridão abriu e fechou os olhos devagar, a noite chegava ao fim e ele esperava que seu sofrimento também acabasse com ela; uma tosse persistente o acompanhava, cuspia raias de sangue e tivera por semanas febre noturna com sudorese intensa, perdera o apetite, emagrecera muito e sentia um cansaço terrível. Há tempos estivera solitário e doente... e queria lembrar de seu último dia livre, fora das paredes daquela fortaleza.... Viu-se anos antes, numa manhã agradável de um domingo de verão nos Bálcãs, caminhava apressado, tinha um encontro importante, respirava com certa dificuldade, ele não sabia mas carregava o bacilo da tuberculose em seus pulmões, também desconhecia que o destino lhe reservava um papel inimaginável na história da humanidade.
Seu pai era carteiro, de família pobre, seis dos seus oito irmãos não chegaram à idade adulta. Nascera na última década do século 19,em 1894, na cidade de Obljaj na Bósnia.
Ótimo aluno estudou em Sarajevo e Tuzla, desde adolescente Gravilo Princip era discreto e gostava de ler, cursou o Colégio Técnico em Administração. Acreditava-se um idealista, entrara na organização secreta Bósnia Jovem pois sentia ódio pelo Império Austro-Húngaro. Era influenciado por teorias políticas oriundas da Rússia que defendiam o pan-eslavismo, cujas idéias eram de uma nação eslava com a neutralização do herdeiro do trono. Em 1912 foi morar em Belgrado. Antes dessa mudança, o jovem estudante filiara-se a um grupo radical nacionalista chamado “Mão Negra”(União ou Morte). Ele se orgulhava disso, usou na cerimônia de iniciação a túnica negra habitual e aliciara 4 amigos para a organização, como mandavam os estatutos, formando uma mão. Imaginava se um libertário. Esse grupo terrorista almejava unir todos os territórios com populações eslavas do Sul anexadas pela Áustria-Hungria. O objetivo de reunificação, em um Estado único todos os membros do povo sérvio, significava confrontos de interesses.
Bósnia e a Herzegovina tinham sido ocupadas pelo Império Austro-Húngaro em 1878 e anexadas em 1908. Muitos bósnios, particularmente os sérvios, não aceitavam a ocupação, preferindo a unificação com a Sérvia.
Gravilo não tinha namorada, seu amor pela causa estava acima de qualquer sentimento, ia encontrar-se com seus companheiros para um assassinato político; planejado com cuidado, nos mínimos detalhes. Jovens, sentiam-se poderosos com um arsenal de quatro pistolas, seis bombas e umas cápsulas de cianureto. Os rapazes com a ajuda de agentes da organização se distribuiriam no caminho que seria feito pela comitiva do herdeiro do império austro-húngaro com destino à prefeitura.
O arquiduque Francisco Ferdinando e sua esposa Sofia desembarcaram em Sarajevo, Bósnia; Ferdinando estava atento a ela, pois desconfiavam que ela esperasse um herdeiro. Em comitiva desfilaram em carro aberto pelas ruas da cidade. Conforme o que estava previsto pelos jovens, quando a comitiva passava em frente à estação policial, Nedjelko Cabrinovic joga uma granada na direção do carro do arquiduque. Só que a bomba atinge o automóvel que vem atrás, ferindo dois passageiros e vários pedestres. Cabrinovic engole cianureto e se atira no rio, mas não morre, pois o veneno estava vencido e o rio quase seco, facilmente sendo preso.
Gravilo desaparece na confusão, anda sem rumo perplexo até que chega a uma cafeteria e lá fica a pensar no fracasso da empreitada.
Mais tarde o arquiduque indignado pelas ocorrências vai visitar os feridos no hospital. O general Potiorek, responsável pela segurança dos visitantes, garante que o trajeto é seguro e traça uma rota alternativa, esquecendo-se de avisar o motorista de Ferdinando, que segue o caminho original. Gravilo Princip, que tomava um café na Rua Franz Joseph, atônito vê o carro oficial se aproximar, pega sua pistola Browning, modelo 1910 e dispara dois tiros, a menos de dois metros de distância do veículo. O primeiro disparo fatal acertou Sofia, no estômago, o segundo atingiu o pescoço de Francisco Ferdinando. Ele estava tão próximo que pode ver o brilho nos olhos do casal real se dissipar. Era o dia 28 de junho de 1914, o que ele planejara cuidadosamente o acaso encarregara-se de trazer à sua frente. Consumado o ato terrorista só lhe restava o suicídio, pois não suportava a idéia de ser aprisionando, além disso, era regra da “Mão Negra”. Princip usa primeiro o cianeto e depois sua arma, mas vomitou a pílula e sua arma foi-lhe tirada das mãos. Foi preso e a policia bateu em sua cabeça com a bainha de suas espadas, chutaram e socaram Princip, tiraram a pele de seu pescoço com as espadas e o torturaram. Ele foi levado à prisão militar acorrentado pelos pés. Mais de 20 homens estavam envolvidos nesse atentado, porém oito conspiradores foram declarados culpados. Os menores de idade foram sentenciados à prisão. Gavrilo Princip, Nedjelko Cabrinovic e Trifko Grabez pegaram pena máxima de 20 anos, Vaso Cubrilovic pegou 16 anos e Cvijetko Popovic 13 anos. Maiores de idade, Danilo Ilic, Veljko Cubrilovic e Misko Jovanovic foram executados em 3 de fevereiro de 1915.
O atentado, praticado pelo estudante nacionalista sérvio Gavrilo Princip, foi o pretexto para o início do sangrento conflito que logo assumiria proporções mundiais nunca imaginadas anteriormente. Os tiros disparados por sua velha arma na capital da província austro-húngara da Bósnia-Herzegovina precipitaram uma guerra impossível de ser evitada, que nenhum dos principais estadistas europeus desejava, pois a Europa estava dividida por alianças rivais e interesses diversos.
Gravilo só morreria quatro anos mais tarde do início da primeira guerra mundial, esquecido num campo de prisioneiros sérvios, sem saber dos acontecimentos que o assassinato duplo que ele cometera desencadeou.
Com olhos fechados,suspirou pela última vez ouvindo ao longe o barulho de bombas e canhões. Os disparos que ele fizera anos antes foram só os primeiros de milhares que ecoariam por toda a terra.

ÖTZI


Aquela manhã era muito fria, como tantas que ele já enfrentara... A primavera chegara ao fim e ele precisava juntar os animais e iniciar a longa marcha até o outro lado das montanhas, como faziam seus antepassados, onde havia ainda alguma vegetação que serviriam de alimento para seu pequeno rebanho. Otzi era um pastor, homem baixo que já passara da casa dos 40, o que na Idade do Ferro era uma raridade, sentia algumas dores, já havia quebrado costelas e um braço durante sua vida nos Alpes da Europa Setentrional da Antiguidade. Há meses andava doente, infectado por algum parasita, tivera por dias transtornos intestinais, o que enfraquecera seu corpo miúdo. Ao pegar seu agasalho olhara suas tatuagens com respeito e admiração, sentia uma dor no estômago, fome provavelmente, sua alimentação nunca fora adequada ou suficiente, seus dentes estavam muito gastos pelas carências. Colocou três camadas de roupas feitas de pele de veado e de cabra, e uma capa forrada da longa e resistente fibra da casca de tília. Seu chapéu era de pele de urso, que ele abatera junto com outros homens de sua aldeia, e os sapatos, combinavam pele de urso e cabra. Os sapatos foram cuidadosamente costurados com uma agulha de osso e forrados com grama por ele.
Seus bens mais preciosos eram um machado de cobre e um punhal de sílex oriundo do Lago de Garda, a mais ou menos 150 km ao sul da região que ele estava. O cabo do punhal era de uma madeira usada até hoje para fazer cabos, por sua resistência. Seu arco inacabado foi feito com a melhor madeira para esse fim. Uma aljava de pele levava 14 flechas. Apenas duas tinham penas e pontas de sílex, mas ambas estavam quebradas.
Verificou com cuidado se na bolsa presa ao cinto continha material para fazer fogo: um fungo que cresce nas árvores, pirita de ferro e sílex para produzir faíscas. Era um kit de sobrevivência, o que lhe garantia auto-suficiência. Uma pequena ferramenta própria para amolar sílex também foi colocada na bolsa. Em correias que ele pacientemente fizera de pele de animal, Ötzi carregava dois pedaços de fungo de bétula, esse fungo podia ser usado como remédio, também levava uma rede, uma espécie de mochila e dois recipientes feitos de casca de bétula; um levava carvão e folhas de bordo norueguês onde ele, ás vezes, transportava brasas envolvidas por folhas.
O lar de Ötzi ficava na fronteira entre a Áustria e a Itália Mas ele não sabia disso, pois isso só seria delimitado milhares de anos depois de sua morte, sua comunidade vivia numa região de invernos amenos, curtos e geralmente sem neve.
Comeu o resto do veado vermelho que matara dias atrás e da cabra montesa alpina.Para a viagem ele separara uma provisão de abrunhos secos e uma espécie de pão feito de trigo que ele assara num braseiro.
Certo que tinha tudo o que precisaria começou a travessia, a neve entravava sua marcha e o vento cortava a pele, minúsculos cristais de gelo formavam-se em sua barba, sempre atento ao seu rebanho não percebeu a aproximação de alguns homens de uma tribo rival, que frente à escassez de caça naqueles dias cobiçaram suas ovelhas. Somente quando uma dor aguda o deixou sem ar percebeu que havia sido atingido na omoplata esquerda, não houve tempo para defesa,como de outras vezes, ferido mortalmente por uma flecha arremessada à distância, procurou fugir, mas alguns passos adiante caiu de bruços num rochedo.Seu último pensamento foi para sua gente que na aldeia continuava o árduo devir humano. Os dias, anos e milênios passaram e seu cadáver foi sendo arrastado conforme o degelo e as nevascas se alternavam na longa e escura noite dos tempos. Civilizações floresceram, pirâmides foram erguidas e impérios conquistados...até que muitas eras depois, alguns turistas modernos praticando esportes de inverno encontraram seu frágil corpo. Foi uma surpresa para a comunidade científica. Era o homem de gelo, a múmia mais velha congelada, nomeado como Ötzi,trazido à contemporaneidade diretamente do período neolítico, assassinado 5 mil anos antes por algum montanhês errante daqueles primórdios.

LUZIA

Luzia..era uma mulher solitária, tristonha e medrosa...que viva numa região plana com algumas montanhas nas cercanias , muitos esconderijos e vegetação abundante.O clima era tropical o que facilitava sua vida. Luzia não conhecia a vaidade, contentava-se em agasalhar seu corpo magro e baixo com alguma pele de animal. Tinha uns 20 e poucos anos, possuía traços que lembram os atuais aborígines da Austrália e negros da África, seu queixo era proeminente, as faces estreitas, o crânio longo, nariz largo e os olhos arredondados. Perambulava atrás de alimentos com seu grupo familiar. Eram caçador-coletores e não tinham paradeiro fixo. Geralmente alimentava-se de frutos que colhia apressada nas árvores baixas e retorcidas, alguns tubérculos e aprendera a comer e folhagens. Seus companheiros de existência às vezes dividiam com ela um pedaço de carne de pequenos animais, que eles caçavam. Nunca recebera um gesto de carinho, no máximo nas noites frias era convidada a aconchegar-se aos seus parentes e eles tiravam parasitas de sua longa cabeleira. Sempre muito suja e arredia, era desconfiada, tinha receio dos homens e dos grandes animais que espreitavam sua gente. Eram tempos muito difíceis, ela não sabia como sua gente chegara ali e nem se preocupava com isso. Ela temia animais que como ela já não existem como a preguiça gigante e o tigre dente de sabre, pois eles só possuíam pedras de quartzo que usavam como pontas de flecha e raspadeiras.Naquele dia chuvoso ela não se sentia bem, procurou um abrigo numa caverna e lá repousou por aproximadamente 11 mil anos. Encontrada na década de 70 por uma equipe franco-brasileira de cientistas,foi levada para o Rio de Janeiro numa viagem que jamais imaginara e lá no Museu da Quinta permaneceu esquecida. Walter, um moderno príncipe da Antropologia, e sua equipe retiraram-a de seu sono milenar e do anonimato; batizando-a com o nome Luzia em homenagem a Lucy; esse fato revolucionou toda a trajetória humana nas Américas com a teoria que diz que o povoamento aqui teria sido feito por duas correntes migratórias de caçadores e coletores, ambas vindas da Ásia, provavelmente pelo estreito de Bering, mas cada uma delas composta por grupos biológicos distintos. A primeira teria ocorrido 14 mil anos atrás e seus membros teriam aparência semelhante à de Luzia. O segundo grupo teria sido o dos povos mongolóides, há uns 11 mil anos, dos quais descendem atualmente todas as tribos nativas das Américas.
Essa descoberta mostra que uma outra leva, bem mais antiga, chegou à América. Luzia seria descendente desse grupo. Aparentados dos atuais aborígines australianos, esses primeiros colonizadores teriam saído do sul da China atual e atingido o continente americano cerca de 15.000 anos atrás – três milênios antes da segunda leva migratória. Como nessa época a Idade do Gelo ainda não havia chegado ao fim, teriam usado canoas para fazer a navegação costeira e contornar os enormes maciços glaciais que bloqueavam a passagem entre a Ásia e a América do Norte. Viveram aqui muitas eras, alheios ao restante da humanidade, até desaparecer na disputa por caça e território com a leva migratória seguinte, provável ancestral dos nativos modernos.
Luzia, o fóssil do ser humano mais antigo das américas,é provavelmente o elo comum de toda a civilização americana. Não sabemos se seu DNA ainda sobrevive nesse continente.
Estudos nas áreas de genética, antropologia, biologia e arqueologia buscam comprovações se ainda resta algo dela entre nós.